sábado, janeiro 05, 2008

ano novinho em folha




Abraços a todos.


Brinde aos altos voos!!!

cristiana fica grávida





Naquele dia cheguei a casa com vontade de falar. Peguei e disse. O que se passou a seguir foi o silêncio. E depois, uma estalada ali mesmo na minha cara, do lado esquerdo. Se fosse noutra altura qualquer, teria gritado e chamado nomes. Mas não naquele momento. Eu tinha mais forças que alguém podia imaginar. Subterrâneas, minhas, de mais ninguém. Ela, fitando-me nos olhos, disse apenas - que queres fazer da tua vida? – nem era bem uma pergunta, era uma fala atrasada. Não ouvi bem. Era tudo muito estranho.


Eu, feliz, e à minha volta nada parecia querer acompanhar-me. Estou grávida, não estou doente – respondi com a vitalidade que crescia dentro de mim. Ela gritou – cala-te, é melhor não dizeres mais nada. E fui para o meu quarto. Deitei-me na cama. Barriga para cima. Senti o meu piercing, comprado a custo no último mês. Por enquanto, era só o que conseguia sentir, um enorme piercing azul e brilhante.


O Mundo conhecia o meu segredo. Estava radiante. Olhava-me todos os dias em frente ao espelho, sob todos os ângulos possíveis. Procurava sinais, esperava que o meu corpo falasse comigo. Não foi preciso muito tempo, apesar de naquela altura tudo parecer passar demasiado devagar. As minhas calças pretas de ganga elástica tinham deixado de apertar assim, de um dia para outro. Nesse momento, precisei d’Ela. Fui falar-Lhe. Respondeu-me que agora resolvesse, já que era tão adulta. Não pensei estar a acontecer, aquilo que estava a acontecer. E o piercing de brilhantes já não fazia Aquele sentido.


Aos poucos, comecei a arrumar a minha roupa em dois grupos, o Antes e o Depois. Cada vez eram mais as roupas do Antes e menos as do Depois. Precisava de umas calças, as únicas que davam para vestir eram brancas e de fato treino. Não podia ser, eram as calças de fim de semana, de casa. Tomei a Primeira Decisão. Vendi o leitor de Mp3, por quinze euros à vizinha da cave esquerda. Era agora independente para comprar a Minha roupa.


Fui a uma loja mesmo só para grávidas. Tinha coisas bonitas, a loja. A única coisa que lá havia por aquele preço, eram fitas para o cabelo e palmilhas para os sapatos. Tinha uns Nike, não precisava daquilo. Esperei pelo sábado. Feira do Relógio. Tops espectaculares e óculos de sol de marca. As calças – pensei. Percorri a feira, incandescida por aquilo tudo. Vi umas calças pretas, com brilhantes nos bolsos de trás. Percebi que tinha de escolher uma coisa de que não gostava especialmente. Só me restavam ou, mais umas calças de fato treino, ou umas calças tipo linho. Escolhi as tipo linho. Dez euros, de uma cor horrível. Voltei a percorrer a feira. Encontrei um top por cinco euros e meio, com uma boca estampada à frente, vermelha e com brilhantes.


Sentia-me uma formiga bem disposta, a preparar-se para o inverno. No café, os sorrisos multiplicavam-se, mas dava para ver que eram só as minhas amigas. Os outros olhavam-me de lado, como se padecesse de alguma doença contagiosa. Estou grávida, não estou doente. Era só um grito cá dentro. Às vezes ouvia sussurros das mulherzinhas da loja de congelados. Que me importava aquilo. Sentia-me mais bonita e importante que nunca.


Houve uma Sexta-feira que a Sónia não me ligou. Estava vestida e tudo. Tinha um top amarelo que cruzava nas costas e à frente dizia Star. Esperei um bom bocado, nem me estava a aperceber que as horas iam passando. A Sónia ia ligar e pronto. A certa altura mandei um sms – tão gaja? / tão, tá td? / td. qd é q passas? / chavala, já tamos no spot, o ppl pensou que n querias ir sair / ya...? / ya gaja, xau aí, fica bem. Milhares de ideias passavam-me pela cabeça. Senti – me perdida, toda arranjada. Argolas, pochete da Nike.


As próximas noites foram pacíficas, mas havia qualquer coisa no ar. Não era a mesma coisa que Dantes. Parecia que o Pessoal tinha medo de falar comigo, que não sabiam o que dizer. Deixei andar. Não percebia aquilo, eu não tinha deixado de ser eu.
A barriga começou a crescer. Não havia espaço para dúvidas, à vista de todos eu era uma mulher grávida.


Foi no final de uma aula de Português – então, como é que as coisas estão a correr? / Tá tudo bem stôra / e têm – se cuidado, tem ido ao médico? Médico? A última vez que tinha ido ao centro de saúde foi para ir buscar a pílula. Não era uma médica, se calhar era. Deu-me aquilo e pronto. Não stora, eu sinto-me bem / Mas sabe que é muito importante ir ao médico (...). E depois disse muitas coisas. Parecia que a realidade se estava a afastar de mim.


Não estou doente. Não estou doente.
E depois a vida mudou.