quinta-feira, fevereiro 19, 2009

desculpa amor




Teresa observava a situação por detrás do balcão, como se nada tivesse a ver com o assunto. Voavam soutiens e panos de loiça, voavam lenços de bolço com monogramas e iniciais, e havia uma cabeça com um olho de vidro azul entreaberto, no chão. Todo o mostruário de collans de lã branca e azul para recém nascido tinha tombado em cima da palmeira anã, que resistia tragicamente com meio caule intacto. Ecoavam gritos irados e promessas de vingança.

Havia uma mulher pequena e encorpada, de mangas arregaçadas até depois do cotovelo que, por instantes, tinha finalmente parado junto a um canto. Tentava recuperar o fôlego, tinha as costas numa curvatura quase impossível e o seu peito subia e descia em compasso. Na parede em frente estava um homenzinho de bigode e blazer verde, tinha um destroço de saco de plástico na mão esquerda e chorava tanto. Teresa considerou o momento oportuno para dizer algo a apelar à calma, mas talvez o tivesse dito demasiado baixo, ou talvez eles não a estivessem a ouvir. Porque a mulher largou um grito lancinante e correu em direcção a ele, agarrou-lhe ambas as lapelas e atirou-o várias vezes contra o expositor de toalhas da Madeira que se encontrava atrás de si.

Isto durou algum tempo até que a frequência e a intensidade, com que o corpo dele embatia na parede, começou a diminuir e a cabeça dela tombou para trás em gemidos e lágrimas. Depois a cabeça dela voltou ao lugar, e enquanto lhe chamava muitos nomes, ia-se encostando ao casaco dele. Ele murmurou desculpa amor, ou algo equivalente.

Teresa agarrou nas chaves e na carteira e saiu da loja como se nada fosse, depois fechou a porta sem se importar com o dinheiro da caixa, ou com qualquer outra coisa. Já lá fora, respirou fundo e sentiu-se abençoada.

sábado, fevereiro 07, 2009

segunda-feira, fevereiro 02, 2009

coração de ouro

(foto cartaz filme Bollywood,ano?, autor?)

De tanto de lhe repetirem isso, Luísa começava a acreditar que o fundo do seu coração era forrado a ouro. E nem por isso se sentia privilegiada, pelo contrário, receava que a toxidade do metal lhe contaminasse o sangue, ou que um relâmpago mortal fosse atraído pela sua caixa toráxica. Vivia aflita, num contra relógio que não revelava a ninguém, nem à sua melhor amiga.