quarta-feira, maio 28, 2008

aconteceu ao herói




O Herói andava pelas ruas da amargura. Não comia, não dormia, não estabelecia relações interpessoais saudáveis. Estava magro e olheirento. E a sua alimentação consistia em barras de chocolate com manteiga de amendoim.

Os amigos desistiram de lhe telefonar porque ele nunca atendia o telefone. Chegaram mesmo a fazer-lhe uma visita surpresa. Bateram-lhe à porta com uma caixa de gelado king size de Strawberry Cheesecake, e nada. Não abriu a porta. Limitou-se a continuar no sofá, de barriga para cima, a olhar para o tecto. Bloqueou o som que ouvia do outro lado da porta e foi como se ele não existisse.

Os amigos não insistiram. Pensaram que não estava em casa e voltaram para trás com o gelado, que acabaram por comer no metro porque estava a derreter.

Enquanto olhava para o tecto focou um determinado local onde o estuque estava escuro, devido à humidade. Concentrou-se como quem está a trabalhar numa coisa muito complicada. As horas passaram por ele, foi ficando escuro e nada. Não se moveu.

O impulso de sair do sofá foi gerado pela falta, já quase biológica, da manteiga de amendoim. O corpo não perdoa, nem disfarça. Depois, levantou-se e foi ao stock da cozinha.

Há uns dias decidira tapar a janela da cozinha com um jornal. Não lhe agradava a ideia de ter um helicóptero sempre a rondar a sua janela, a sua vida. Assim, já não o via, apesar do barulho lá fora continuar imperturbável. Mas era como se não estivesse lá. Concentrando-se um pouco, podia mesmo acreditar que aquele som significava outra coisa qualquer.

Aconteceu um dia, naqueles dias em que só lhe restava um chocolate no armário e a urgência o fazia sair de casa, o destino mudar o rumo do Herói.

Nesse dia, desceu os habituais três lances de escada e principiou-se para a porta da rua. Lá fora corria uma brisa de final de tarde, à qual já não estava habituado. Parou por uns segundos, a tentar perceber que sensação lhe trazia aquele vento contra a cara. Não conseguiu perceber.

Seguiu caminho, tinha ainda de andar dois quarteirões até abraçar a loja de conveniência. À medida que andava mais depressa, a brisa tornava-se mais intensa dando-lhe um brilho de água aos olhos. Apeteceu-lhe respirar fundo mas ao vislumbrar o néon da loja, seguiu viagem. O seu coração batia já rapidamente ao pensar na possibilidade de não existir a quantidade de barras que queria comprar.

Quando estava a chegar ao passeio ouviu um som agudo e suave que como sempre tentou ignorar. O som continuava, persistia. Parou. Mesmo à sua frente, o som ganhou contornos, um corpo. Ali estava um gato que o olhava nos olhos.

O Herói paralisou e, sem saber porquê, retribuiu-lhe a medo o olhar. O gato miou e dirigiu-se a ele rapidamente, enroscando-se nas suas pernas. Olhava para ele e miava, como se o conhecesse há muito tempo. O Herói mais uma vez, não estava a perceber. Mas parecia sentir alguma coisa. Retribuiu-lhe então os gestos.

Agia agora com a naturalidade que já não conhecia em si.
Ali ficou, esquecendo-se do que tinha para fazer.

sábado, maio 17, 2008

bicho de conta



Amor correspondido. (Publico/Artista, entenda-se). 24 fados , um encore planeado e outros três expontâneos. Por vezes a tensão fintou-lhe o resultado, e não o deixou ir até onde consegue e sabe. Não interessa, o que fica do concerto são os momentos contidos, concentrados e verdadeiros.


...ai.


sexta-feira, maio 02, 2008

doces noites de mirtilo



Ao sabor de tarte de mirtilo...o Amor. Assim, inesperado e doce.

É sempre bom ver um filme que previligia a interpretação dos actores, e que lhes dá espaço para existirem, sem grandes arífícios. Simples.

Algumas coisas são especiais neste filme - a Menina Portman (!), a Menina Weisz, o David Strathairn. Vale a pena por eles. Vá lá...o Jude Law também vai bem.

Releve-se também a fotografia que nos cativa do princípio ao fim.

Só uma coisinha... O realizador decidiu convidar a Norah Jones para protagonizar a história central do filme. Nada contra, até prova do contrário...bom, na verdade não resultou. Apesar de ser muito bonito ver a Menina a comer a pie com gelado de baunilha (é mesmo), apartir do 15º minuto de filme a bucolice/ingenuidade da rapariga deixam de fazer sentido. E a interpretação torna-se um pouco enjoativa e desinteressante.

Seja como for, e Miss Jones à parte, é um filme a ver.

Blueberry Nights para todos é o que eu desejo!