quarta-feira, dezembro 31, 2008

votos para o ano que é já amanhã


Confiança ao alto.
É o meu voto unificador de todos os outros.
Para amanhã e depois e depois. Para mim e para todos.


domingo, dezembro 14, 2008

segunda-feira, dezembro 01, 2008

a carta

(do livro: Curso de Magia Milo-Nestlé, ?data)

O seu sonho era o seu parapeito. O seu sonho era ser mágico. Reunir multidões à volta de uma mesa pequena, iluminar as suas mãos finas e torná-las enormes e vivas. A varinha mágica, o jornal encantado, a carta misteriosa, o lenço cómico. Queria aprender tudo até à perfeição e essa procura vivia dentro dele como uma prece. Quando conseguia, descia sobre ele um calor muito intenso e rápido, numa onda electrizante que o posicionava no mundo. Quando não conseguia, voltava a tentar até conseguir outra vez.

Separava-o da vida a inquietação que os outros lhe provocavam. Gostava das suas multidões imaginadas, sem face ou cor de cabelo. Mas as pessoas reais provocavam-lhe vontade de fugir, correr e procurar abrigo. E voltava às cartas e treinava, treinava, até ter sono ou fome. Depois saia do quarto e procurava o que comer, para regressar de novo às quatro paredes que melhor o conheciam.

Amanhecia o dia e com ele a rotina urgente das coisas para fazer. Aulas e autocarros, colegas, professores. Exigências que não compreendia mas que aceitava, resignado ao papel que lhe fora atribuído sem perguntas. Durante o todo dia mantinha-se afastado das piadas, dos comentários, dos momentos de estudo colectivo. Fazia os trabalhos de grupo transmitindo o estritamente necessário, e acatando as instruções decididas pelos outros.

A quem se tentava aproximar não sabia o que dizer, limitando-se a responder a perguntas. E quando isso acontecia, agarrava-se instintivamente ao baralho e cartas que guardava sempre no bolso.

Um dia, a rapariga do bar perguntou-lhe se ele fazia magia, e uma fissura abriu-se de imediato no seu mundo.

Porquê? Perguntou. Deixaste cair uma carta, um oito de copas. É minha, disse. Eu sei, acabou de cair do teu bolso esquerdo. Não reparei, disse. És mágico não és? Sou, respondeu a suar de todos os poros do seu corpo magro. E de seguida tirou-lhe cinquenta cêntimos da orelha direita.

Depois sentou-se devagar e pediu-lhe um pacote de açúcar que mastigou de seguida.