terça-feira, julho 22, 2008

Susy


Susy fazia lembrar uma estrela do cinema mudo.
Tinha as sobrancelhas finas e em arco, como uma vírgula longa e bem pronunciada, fazendo com que o seu olhar tivesse sempre uma expressão dramática.
Susy era frágil em aparência e o seu andar era compassado como um metrónomo. Andava rapidamente e de uma forma um pouco basculante. A tira colo trazia sempre consigo duas malas, cruzando-se ao peito, que nunca tirava, nem mesmo quando se sentava.
Susy descendia de uma longa linhagem de artistas mascarados de pessoas comuns. Gerações e gerações de pessoas que sentiam que algo estava mal. Que algo não funcionava como deveria funcionar, que tudo era insuficiente sempre. Mesmo quando deveriam estar felizes e estáveis, não estavam. Não conseguiam perceber porquê, era uma insatisfação, uma incompletude.
A bisavó de Susy tinha muitos tiques, dos nervos diziam. Movimentava o pescoço em todas as direcções. Rodava, torcia, flectia, e tudo isto em grande velocidade. Em simultâneo, piscava ambos os olhos.
Era uma pessoa especial, fora do seu tempo. Os filhos foram desígnios não planeados, nem tão pouco queridos. À medida que cresciam, ia-lhes achando piada, mas mantinha-se à distância, sem grandes excessos ou aproximações. O afecto era para quando tinha vontade, e às vezes não tinha. E não se importava de não fazer o mínimo esforço.
Fumava bastante, sentada na sua cadeira de verga, protegida por uma manta de algodão. Observava as crianças à distância, rodeadas de criadas felizes e luzidias.
À noite, por vezes, escrevia poemas acerca da beleza etérea dos petizes, e da fluidez dos seus movimentos.
A avó de Susy morreu dias depois do parto da terceira filha, silenciosamente. Deixou um bilhete com um verso para cada filhinha.
A mãe de Susy era uma Senhora. Ia ao cabeleireiro todas as semanas e por vezes mais que um dia, para retoques. Forrou a casa de casada de espelhos, transformando a sala de jantar num salão feérico e infinito.
Levava Susy à missa e à confissão, todos os domingos. Susy nunca sabia o que dizer mas lá contava aquilo que, com sorte, poderia valer como pecado. Trazia sempre penitências para casa, o que deixava a mãe satisfeita, com a sensação de dever cumprido.
Susy olhava de olhos escancarados o guarda-fatos da mãe e tinha a sensação de que ia sufocar. Não gostava de estar na sala porque se sentia observada. Geralmente ia para debaixo da mesa da cozinha, aí sentia-se segura.
Passou a infância a desenhar e a fazer caretas ao espelho. Vestia o vison da mãe e imaginava-se um urso comedor de homens.
Aos 18 anos ia a subir a rua de casa e encontrou a mãe sentada no passeio. Correu para ela e perguntou-lhe o que tinha acontecido, a mãe respondeu-lhe: cala-te, cabra. Susy ajudou-a a levantar-se, levou-a para casa e deitou-a. Deu-lhe os comprimidos da noite e foi ler para a cozinha.
O dia seguinte amanheceu igual. Susy saiu de casa com a sua echarpe preferida, as suas pulseiras, as suas sobrancelhas bem definidas, e pediu desculpa por tudo. A olhar para o céu.

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