terça-feira, agosto 05, 2008

e outras coisas

(Maurice Mbikayi, 2007, África do sul)

Lucília não augura nada de bom. É o terceiro dia em está a substituir a colega, num complexo de escritórios. Prefere mil vezes trabalhar em hospitais, ninguém lhe diz uma palavra e ninguém se recorda do nome dela. É melhor assim. É reservada, não gosta de falar de si, muito menos que lhe façam perguntas.

Vive contrariada desde que veio viver para Portugal. Não quer ter amigos, nem confiar em ninguém. Vizinhos, só os lá da Terra. Família, nem se fala. A irmã há de vir com o cunhado, mas só daqui a uns meses, em princípio.
As coisas têm corrido bem. Dá para o quarto e para a comida, o que sobra envia para Casa. Sai de manhã todos os dias às seis, e regressa todos os dias às oito. Duas vezes por semana faz noite no hospital. Queria lá trabalhar sempre, é tudo mais silencioso e resignado. As coisas são como são e ninguém tenta que sejam de outra maneira.

Quando dá liga para casa da irmã para falar com os filhos. Falam sobre as coisas, do trabalho aqui, do trabalho ali, sobre a escola, e eles dizem sempre que está tudo bem. Ela fica com os olhos a brilhar e aperta a medalha que traz ao pescoço com força. Diz que por cá também está tudo bem, que tem uma senhora amiga e que vão à Igreja todos os domingos.

Não encontra sentido em dizer-lhes que se sente sozinha, e que tem o coração apertado de saudades e outras coisas.

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