sexta-feira, agosto 08, 2008

confetis e after shave



Gerânio pensava quase todos os dias que era uma infelicidade ter nome de flor. Preferia que lhe chamassem Artur. Tinha uma barbearia – Barbearia Moderna – letreiro que pintou cuidadosamente sobre o umbral da porta, em azul celeste. O estabelecimento era o seu mais-que-tudo, e Artur espalhava amor por aqueles 4m2. A lixívia e os ambientadores de aerossóis eram os seus aliados diários.

De manhã, tudo tinha de estar perfeito para a chegada do primeiro cliente do dia. Gostava de alinhar os instrumentos na bancada e de ter as toalhas turcas dobradas em cima desta. Sobre as toalhas espalhava sempre algumas gotas de Old Spice.

A vida era boa e a reputação no bairro não podia ser melhor, Artur era o único barbeiro nas redondezas que desinfectava as lâminas, num aparelho de esterilização de biberões adaptado para o efeito.

Só havia uma coisa que o afastava da tranquilidade e paz que normalmente sentia. Cátia. Pele de cobre e olhos claros, fruto de um alívio ultramarino que acabou em boda. Era uma rapariga pensativa e bastante actualizada quando às tendências da estação. Se a moda ditava amarelo, amarelo era a sua escolha, fazendo questão de usar pelo menos uma peça dessa cor. Pesquisava com afinco os modelos “in” e os modelos “out” nas revistas de teor social. Gostava de sentir que pertencia aquele mundo de celebração e confetis.

Um dia disse às amigas que champanhe com frutos silvestres era uma bebida divinal. Um misto de fascínio e inveja passou-lhes pela cabeça, algumas riram-se bastante.

Cátia fazia da janela do seu quarto o seu posto de controlo. Apoiava o cotovelo no umbral e suportava o peso da cabeça com a palma da mão. Era aí que Artur a via e a adorava, como a uma santinha no escapulário.

Não fosse uma ligeira curvatura da rua, a porta dele e a janela dela ficavam quase frente a frente. Artur passava o dia a desejar olhar para ela, num exercício de difícil equilíbrio entre a descrição e o olhar fixo. Felizmente tinha uma clientela fiel, o que lhe permitia apaziguar por alguns instantes, a ansiedade que crescia dentro de si. Começara já a ter problemas gástricos e insónias ocasionais. Chegaram até a perguntar-lhe se andava com algum problema.

Numa sexta-feira à noite em que nem o chá, nem o leite quente, nem a televisão pareciam fazer efeito, Artur sai de casa. De cabeça perdida entra na barbearia. Fecha a porta, sai para a rua, e olha fixamente para a parede à sua frente. Ergue a navalha, e começa a escavar bem fundo na parede – ARTUR AMA CÁTIA.

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