sexta-feira, janeiro 23, 2009

verdes esmaltados e turquesas

(Ringling Brothers Barnum and Bailey, poster, data?)

Sandra era irmã de Sara, mas na arena estavam sob o jugo da descrição; as irmãs elásticas e os seus arrojados números.

Sandra tinha dentro de si o lampejo artístico e a certeza de ser iluminada por uma qualquer estrela protectora. Sara tinha no corpo uma laxidão impressionante mas, para além da constatação de conseguir pendurar a perna no pescoço, não encontrava nisso nada de extraordinário.
Ambicionava estudar, ter um emprego e uma família. Lia às escondidas de todos, à noite na sua roulotte, depois da irmã ter adormecido. Conservava consigo todos os livros escolares dos anos em que frequentara a escola. Os exercícios de matemática estavam praticamente decorados, mas ela insistia, e tornava a repeti-los invadindo-se de uma sensação de sucesso, por conseguir resolvê-los e de frustração, porque sabia que a seguir à alínea h) não havia mais nenhuma. Sonhava com longas redacções sobre diversos temas, que impressionavam os professores e provocavam ovações em pé dos colegas da turma. Mas de manhã, os personagens eram outros e Sara tinha de dominar os seus desejos.

Às nove da manhã já estava vestida, maquilhada, e de cabelo preso bem no alto da cabeça. Ás dez ligava o gerador da máquina das pipocas, e juntava ao açúcar do dia anterior mais açúcar e umas gotas de corante vermelho. Protegia o seu maillot de verdes esmaltados e turquesas, com uma bata azul coçado com nódoas na cintura, e dois bolsos junto às coxas. Sara apreciava aquele momento em que vendia as pipocas, e falava com os grupos de crianças e professores que vinham sempre pela manhã. Enquanto isso, a sua irmã verificava se os collants estavam suficientemente esticados e assegurava a simetria do eyeliner. Depois dizia umas palavras sagradas de cabeça baixa em frente ao espelho e considerava-se preparada.

Às dez e quarenta e cinco voltavam a juntar-se, desta vez na entrada da tenda. Verificavam-se uma à outra. Ganchos, purpurinas, pó de talco nas mãos e nos pés, alças. Depois beijavam-se, um beijo em cada face, o que significava que a apresentação do seu número no palco já tinha começado, e que em breve a plateia bateria palmas para as receber. Logo depois começava uma música empolgante, vinda de um cd esquecido por um mágico italiano que ali passara uma temporada, e elas entravam na arena plástica e erguiam os braços sob as luzes pouco direccionadas.

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